Tempos de crise, parece que sempre estamos neles. Da noite para o dia, saímos de uma vida normal para uma crise sem precedentes. Uma gripezinha aí virou uma pandemia. Famílias foram quarentadas. Em países isolados, milhares de empregos perdidos e óbvio, muitas vidas ceifadas.
O mundo fechou, e quando abrir, nunca mais será o mesmo. O impacto do isolamento social faz seus estragos no varejo. Em março, houve queda de quase 40% das vendas, segundo dados do Banco Central, isto porque somente a partir da segunda quinzena é que as lojas e shopping centers foram fechados. Supermercados melhoraram suas performances em 17,1%, por conta das compras preventivas de alimentos, mas os segmentos de vestuário e calçados viram suas vendas cair 88,8%, e agora já imaginam suas coleções de inverno sendo queimadas. Em promoções no segundo semestre, juntamente com o estoque de um Dia das Mães que provavelmente não existirá.
O setor de restaurantes, com faturamento de R$ 400 bilhões, também foi impactado. A Associação Nacional de Restaurantes (ANR) estima que 76% do food servisse demitiu nesta crise, chegando a 1 milhão de empregos. Padarias, bares e cafeterias sofreram, e chocolaterias perderam a Páscoa em seu melhor momento de vendas. Os bancos, percebendo que a inadimplência saltaria, se anteciparam. Prorrogaram dívidas, e assim, reduziriam os impactos em seus resultados trimestrais.
Boa hora para o marketing aparecer, mas, apesar disto, a liberação de crédito para capital de giro do pequeno empresário.
A palavra-chave da solução do problema, ainda não aconteceu, pelo risco de inadimplência futura. Por conta disto, algumas agências de risco começaram a alterar as notas dos bancos brasileiros, diante de um choque sem precedentes, que fará com que as condições operacionais se deteriorem nos próximos 12 a 18 meses.
O Turismo foi largamente afetado, principalmente o turismo de negócios, que representa 65% das vendas do Turismo no Brasil. Com as empresas adotando o home office, reuniões presenciais e viagens corporativas foram canceladas, o que gerou queda de 54% nas vendas de março, e uma projeção de queda de 90% em abril, segundo afirma a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abracorp). Voos foram cancelados numa avalanche sem precedentes, em uma queda de mais de 90% da oferta contra o ano anterior, impactando vários outros setores, de Aeroportos a agências de viagens, de Casas de Câmbio a Centros de Conveniências, ou ainda, empresas de aluguel de veículos. A hotelaria, uma das mais antigas e resilientes indústrias da economia, é mais uma das vítimas e, segundo um estudo divulgado pela FHB, 69% dos hotéis brasileiros estavam fechados, sendo que a maior parte deles pretendiam reabrir em junho ou julho.
O fato é que o mercado está vivendo um cenário nunca antes visto. Podemos ver que neste período milhares de pessoas no mundo inteiro deixaram de consumir, mas podemos entender também que, outros milhares de consumidores, foram obrigados a fazê-lo de alguma outra forma, mudando seus hábitos de compra, de forma abrupta e não natural, e isto é uma tremenda oportunidade.
O mundo continua se tornando mais online. No mundo, 15% das vendas do varejo acontecem online e, no Brasil, menos de 10% das vendas são feitas nesse canal. O Brasil está aprendendo, e a crise deu um empurrãozinho.
Um estudo da SmartCommerce apontou que, quase 40% dos consumidores online atuais fizeram sua primeira compra em março deste ano. No online, os Eletroeletrônicos são destaque, e as vendas deles aumentaram desde o início da crise. Com as pessoas mais tempo em casa, elas percebem os itens que faltam, e os que precisam ser substituídos. A consultoria GfK citou, por exemplo, que as vendas online de aspiradores de pó triplicaram e outros aparelhos, como liquidificadores, ventiladores e cafeteiras tiveram altas superiores a 100%. As vendas online de produtos como notebooks, tablets e televisores, que vinham apresentando queda, aumentaram. Segundo este estudo, apesar de as vendas totais de eletroeletrônicos terem encolhido 41% (por causa do fechamento das lojas físicas), elas cresceram 63% no varejo digital.
Para surfar esta onda, muitas empresas tiveram que se mexer rapidamente. Tiveram que se mexer rapidamente porque não estavam prontas. Elas certamente não obtiveram lucro, mas reduziram suas perdas e, principalmente, se apresentaram para consumidores em um momento que seus concorrentes não o fizeram.
Um exemplo foi a reação do Grupo Arezzo & Co. Em entrevista recente ao NeoFeed, o CEO Alexandre Birman, destacou que sua empresa, com 752 lojas e faturamento de R$ 2 bilhões anuais, teve que fechar todas as lojas físicas e perderam aproximadamente 90% do faturamento. Em apenas duas semanas, a empresa conseguiu se estruturar para que todos os funcionários estivessem em home office, e colocou mais de 5 mil vendedores para vender online. O resultado? Suas vendas do canal online cresceram 124%, e chegam a cerca de 25% do que seria seu faturamento total (caso as lojas físicas estivessem abertas), e sua venda na semana anterior bateu um recorde de R$ 2,3 milhões em um único dia.
O consumidor será obrigado a experimentar impedidos de saírem as ruas. Consumidores compraram, em Abril, 30% a mais na internet, na comparação com Março, segundo dados da Associação Brasileira de Comercio Eletrônico (Abcomm). Estima-se que o e-commerce ganhou ao menos, 4 milhões de novos compradores. Apesar dos sinais do online serem claros, muitos lojistas não se movimentaram, especialmente os pequenos. Com esta inesperada realidade, uma alternativa para quem não tinha sua própria plataforma foi a adesão em plataformas já estabelecidas, os Marketplaces.
Segundo a Olist, empresa que ajuda pequenas marcas na entrada nos marketplaces, o número de empresas off-line que migraram para shoppings virtuais já aumentou quatro vezes. Quem confirmou esta tendência semana passada foi a empresa Magalu, que possui um marketplace próprio, e recebeu 16 mil novos lojistas no período da Pandemia, mais do que dobrando a sua base em comparação ao fechamento de 2019. Mais importante do que se apresentar aos seus consumidores, é entender que a pandemia criou uma oportunidade para as empresas serem experimentadas por pessoas que não seriam o seu público-alvo natural. Seja porque o consumidor não era do perfil digital (portanto, teria mais resistência em testar produtos online), seja porque o consumidor simplesmente preferia comprar alguns produtos exclusivamente offline, mas agora estão sendo obrigados a fazê-lo de forma online. Aqui vai um exemplo pessoal.
Eu sou um entusiasta de compras online, mas nunca havia comprado de um supermercado através desta plataforma. Nesta crise, vivi esta experiência duas vezes. A primeira foi com uma conhecida rede de supermercados, onde eu habitualmente compro, perto de casa. Eles haviam começado a vender online, neste novo canal de vendas. Quatro dias depois, recebi uma mensagem, informando que o pedido não poderia ser entregue porque estava fora da área de atendimento. Detalhe: eu moro a 1km de distância do supermercado, sou um cliente fidelizado, minha compra superava R$ 1,5 mil, e já havia sido cobrada no meu cartão de crédito. Frustrante! Necessitado dos produtos, optei por comprar em outra empresa, que não é um supermercado, mas uma empresa especializada em entregas. Resultado: recebi minhas compras no prazo combinado. Fiquei impressionado com a apresentação da entrega, e com a qualidade dos produtos, especialmente daqueles perecíveis (sempre foi uma preocupação minha receber produtos ruins). Percebam, uma empresa consolidada, em seu setor de dominância, perdeu um cliente fidelizado e com um bom ticket médio, para alguém que sequer é considerado seu concorrente natural... e o pior... a empresa perdedora até agora não sabe disto.
Menos Lançamentos
Com o cenário incerto, os investimentos em marketing são reduzidos e o lançamento de produtos, adiado. Estas empresas extrairão o máximo dos produtos já existentes e das linhas de produção instaladas. Por sua vez, o consumidor, vendo seu poder de compra diminuir, não consegue aproveitar ofertas, e ele fará o possível para manter o mesmo patamar de vida existente, ainda que com um pé no freio.
Se olharmos para o modelo do consumidor, o baby boomer, no passado, escolhia uma marca para passar o resto da vida, mas o consumidor de hoje é atento as mudanças, de acordo com o custo-benefício de cada escolha. O país-crise mistura os dois. O consumidor, com menos dinheiro, racionaliza suas compras, e reduz o espaço para testes, portanto, mantem sua fidelidade por mais tempo. Apesar disto, ele continua com expectativa de experiência e qualidade, o que significa que, mesmo querendo manter seus hábitos, ele vai te abandonar caso você não os atenda.
As grandes empresas priorizarão a eficiência. Mergulharão em seus processos e cortarão etapas que não fazem muito sentido, ou que não são rentáveis. Elas reforçarão sua comunicação institucional, mas precisarão ser sólidas para garantir que seus cortes de custos de vítima hora não afetarão a experiência do consumidor.
Novos hábitos de vida, novos hábitos de consumo
Não é surpresa que os consumidores passaram a comprar e consumir de forma diferente. Nem é surpresa que outros, aproveitando seu tempo extra‚ começaram a desenvolver novas habilidades, seja por hobby ou necessidade. As pessoas começaram a lidar com atividades diferentes, como cozinhar, costurar, e até cortar o próprio cabelo. Esse é o famoso "do it yourself" (faça você mesmo). Pintar seu próprio apartamento, cozinhar seu próprio pão, ou pintar suas unhas, todas estas são habilidades que não se perderão no futuro, e impactarão a forma de consumo. A forma de trabalho também muda. Patrões e empregados se viram forçados a trabalhar em home office, e descobriram que a tecnologia foi vital para que isso tudo acontecesse. Descobriram que sim, é possível! Depois desta experiência forçada, muitos passaram a defender este modelo, enxergando os escritórios como custo desnecessário. Até a forma de compra mudou, e o confinamento fez com que as pessoas usem menos dinheiro, menos o débito e mais o crédito, em função das vendas online.
No Rio de Janeiro, por exemplo, os mais impactados pela redução das vendas no cartão de débito foram os serviços de alimentação fora de casa e hotelaria (-75,9%) e postos de combustível (-45%), e isto muda a dinâmica do varejo e dos serviços. A experiência prevalecer.
Apesar do crescimento das vendas online, o off-line nunca deixarão de existir. Depende muito do engajamento que o produto exige, ou que a marca propõe. Produtos de compras recorrentes tendem a ser mais comuns online, mas ainda assim, depende do que a loja irá propor no mundo físico. Eu acredito que teremos ainda mais espaço para experiências. O ser humano foi criado para se socializar, e mais tempo em casa aumentar o desejo de pessoas saírem para descontrair e interagir fisicamente. Ambientes que proporcionem isto terão a experiência como seu grande objetivo, mas não serão mais como eram.
O melhor exemplo de socialização que conheço são bares e restaurantes, mas os cuidados especiais de saúde e limpeza serão cruciais no retorno vida normal, garantindo assim a segurança e confiança do consumidor. Não bastará álcool em gel na entrada de um restaurante, mas deixar absolutamente claro que a saúde, em todas as frentes, é essencial. Processos especiais de limpeza de uma mesa na troca entre clientes serão revistos e implementados ‚ provavelmente a vista do consumidor. A distância no afastamento entre mesas será revisto e filas serão virtuais, com auxílio de apps ou de serviços que nos avisam quando chega nossa vez. As cozinhas visíveis reforçarão o compromisso com a segurança alimentar. Buffet e Self Service? Esquece! Estes restaurantes deverão mudar sua operação no retorno pós-Covid19, para evitar alimentos expostos e várias mãos. Garçonetes evitarão usar maquiagem (para evitar levar as mãos ao rosto) e garçons trarão nossas refeições devidamente fechadas às nossas mesas, aliás, eles serão treinados para servir nossa bebida a uma distância segura, e estarão atentos a sanitizar os cardápios e as máquinas de cartão de crédito antes de nos oferecê-los, e provavelmente, as nossas vistas.
A necessidade humana de interagir fará com que o consumidor se mantenha preocupado com a saúde. Enquanto ambientes abertos serão preferidos, cinemas ainda serão desafiados numa visão de curto prazo. Lojas, aeroportos, rodoviárias, e até mesmo shoppings centers, terão um procedimento de limpeza diferenciado, em sanitários, espaços família, fraldários, mas também nas áreas sociais, móveis e áreas de uso comum. Sinceramente, não me surpreenderia se câmeras de segurança começassem a medir a temperatura dos clientes, ou pias para lavar as mãos surgissem no meio dos corredores de centros comerciais, é muito além de dispensers de álcool em gel.
Hotéis terão um desafio Hercúleo. Precisam garantir que os cuidados com segurança e limpeza não superarão a experiência, aliás, ela deveria ser parte dela. Iniciativas de check-in sem contato e abertura de portas sem chaves serão mais comuns. Eles deverão ser hábeis ao garantir ao consumidor que a limpeza dos quartos seguiu as mais rígidas normas e procedimentos sugeridos. A acumulação de pessoas nas filas de check-out será contornada com uso de aplicativos, e talvez o serviço de café da manhã passará a ser diretamente nos quartos.
A briga pela ocupação separará as redes mais preparadas, especialmente aquelas mais tecnológicas e que usam inteligência em precificação dinâmica, de forma a dar a melhor oferta e o melhor custo-benefício ao cliente. O varejo, como sempre, verá na experiência seu futuro promissor.
Na tecnologia, o conceito "no-friction", a necessidade de entender o consumidor é fundo e a exigência de se gerar experiência diferenciada nunca foi tão importante. A consequência óbvia, ele passou a ser mais digital. A consequência que pode ser provocada, os consumidores estão loucos para interagir. E por fim, não há dúvidas que tudo vai voltar ao normal. Um novo normal.
MARX GABRIEL
É o CEO da MB Consultoria, Conselheiro de Administração de empresas CCA+ pelo IBCG e autor do livro "Direto ao Ponto", publicado pela editora Alta Books.
Comments