Atuo como consultor de empresas há quase 30 anos, como conselheiro de administração há mais de 20 anos e sou conselheiro certificado por experiência – CCA+ pelo IBGC.
Ao longo de décadas venho recebendo de empresários, sucessores e herdeiros, questionamentos importantes sobre empresas familiares e todo o seu ecossistema, que envolve, além da própria organização, o patrimônio e a sociedade.
Apenas para se ter ideia da relevância do tema, pontuo:
As 500 maiores empresas familiares do mundo, em conjunto, geraram US$ 7,28 trilhões em receitas e empregaram 24,1 milhões de pessoas em 2021, conforme o índice Global de Empresas Familiares;
Apesar desse sucesso, apenas 36% de companhias do tipo vão à segunda geração. Nas seguintes, esse número se reduz ainda mais: 19% sobrevivem à terceira e 7%, à quarta;
No Brasil, 90% das instituições brasileiras são familiares e, juntas, representam cerca de 65% do PIB nacional, sendo responsáveis por empregar 75% dos trabalhadores brasileiros.
Neste artigo eu gostaria de responder algumas perguntas que recebo há quase três décadas, com base na minha formação e na minha experiência no tema.
Espero que contribua para Fundadores, Sócios, Herdeiros, Sucessores e Executivos de Empresas familiares.
Até que ponto a garantia da continuidade do negócio familiar depende do(s) fundador(es)? Qual seu grau de influência real neste processo?
O fundador tem o papel principal e primordial na continuidade da empresa familiar. Sua influência é direta, seja por uma atuação ativa ou por sua omissão.
Quem fundou uma empresa a conhece mais do que a soma de todos os seus agentes atuantes juntos. Ele é o criador, quem deu a vida a uma organização que depois passa a ter sua própria dinâmica.
Vem do seu ato de criar e vivenciar a sua empresa desde o nascimento até hoje, a autoridade moral para conduzir seu processo de continuidade de forma responsável, inteligente, altruísta e serena.
Costumo dizer que uma das maiores fraquezas de um fundador é abdicar da liderança do seu processo de sucessão e de continuidade dos negócios e da própria família.
Como reduzir a lacuna e ruídos de comunicação sobre os negócios da família, entre os familiares que trabalham e os que não trabalham na empresa?
Transparência, organização, meritocracia e liderança ativa.
Quem trabalha na empresa deve estar ali não somente pelo “sangue”, mas, pela sua qualificação e preparo para entregar resultados, e deve ganhar o correspondente para isso. Definir uma regra clara para quem pode e quem não pode entrar na empresa sendo da família, ajuda muito a fechar essas lacunas.
A transparência deve ser praticada com responsabilidade e maturidade.
Os dados da empresa devem ser discutidos nos devidos níveis hierárquicos e somente assim, não em almoços de domingo.
Importante toda a família ter a plena consciência de que uma empresa sobrevive e cresce com o lucro da sua atividade, portanto, a família deve trabalhar para a empresa e não o inverso. Isso é papel de liderança do fundador.
Como preparar os herdeiros/sucessores para entrada no negócio?
Primeiramente os fundadores devem de “apresentar a empresa” aos
seus filhos ainda na infância, demonstrando como ela gera valor para clientes e sociedade, para a família etc. Isso é importante para formar nas novas gerações o respeito e o valor pelo negócio da família.
Também, como pais, devem garantir que seus filhos estudem e se preparem para a vida, seja no negócio familiar ou não.
Não há uma regra geral para todas as empresas, de como se deve introduzir as novas gerações na empresa, pois cada família tem a sua própria cultura.
Mas é fundamental que se tenha uma regra.
Se cumprindo a regra, cada organização deve preparar a entrada de novos familiares com a respectiva integração, entendimento do que se espera do cargo, apoio, feedback etc.
Um erro crasso que deve ser evitado é um filho vir a trabalhar na empresa sem horários fixos, sem compromisso com resultados, sem remuneração acordada etc.
Isso é “queimar” o jovem.
Não quero assumir/entrar na empresa da família, mas tenho recebido muita pressão para isso desde pequeno. O que fazer nesta situação?
Seja transparente com seus pais. Diga que entende a importância do negócio da família, provavelmente o que lhe deu todos os recursos de desenvolvimento até o momento, que também compreende o desejo de sucessão dentro da família, mas que você tem interesse concreto e genuíno em outra carreira profissional.
Lembre-se: o maior papel de um empresário é ser pai E todo pai quer antes de tudo que o seu filho seja feliz.
Quais os erros mais comuns no processo sucessório em empresas familiares?
O primeiro é desconsiderar a questão da vontade e vocação dos possíveis sucessores, como tratamos na pergunta anterior. E é extremamente comum, apesar de óbvio.
Isso ocorre por uma confusão de papéis de pai & fundador, filho & sucessor.
Reforço: ser pai e mãe é o maior papel de um empresário.
Outro erro muito comum é deixar que irmãos vão se tornando rivais ao longo do tempo, menosprezando o potencial de conflito que isso gera.
Cabe aos fundadores fazer uma boa introdução da empresa das novas gerações e orientar o seu desenvolvimento e crescimento.
E chegará um momento em que se deve descer do muro e definir quem será o sucessor, caso haja e esteja preparado.
O fundador precisa estar ativo e com força emocional para conduzir o processo, que poderá ser apoiado por profissionais especializados.
Que boas práticas as empresas familiares podem adotar quando as relações entre fundadores, irmãos, primos já está desgastada e conflituosa?
Se há um desgaste na relação precisamos saber no detalhe qual o seu grau de intensidade.
Há níveis de desgaste, seja na relação interpessoal ou em questões importantes da empresa, onde se é possível um processo de intervenção por profissionais experimentados com êxito.
Em outros casos, infelizmente, o processo já está no nível da dissolução da empresa ou da sociedade.
Uma boa prática para se evitar chegar neste nível de desgaste é buscar cultivar uma boa relação pessoal entre sócios e herdeiros e ter acordos claros e formais sobre questões importantes como remuneração, pagamento de dividendos, compra e venda de ativos etc.
O índice de mortalidade de empresas familiares é alto. Quais os principais motivos?
São muitos e geralmente inter-relacionados, mas podemos pontuar os principais:
Falta de preparo da 2ª. e 3ª. geração não gerou sucessores à altura dos novos desafios que a organização enfrenta.
Conflitos entre os sócios, que chegaram a um nível não administrável.
Falta de adaptação da empresa às novas circunstâncias de mercado, gerando incapacidade de competir e sobrevier.
Atraso no processo de sucessão, freando a empresa no seu processo de modernização e otimização.
Falta de um bom processo de governança do negócio familiar.
O que é uma boa Governança de Empresa Familiar?
É quando se enxerga a empresa familiar como um ecossistema que envolve além da própria empresa, a sociedade e o patrimônio e a família, como entidades interdependentes. É um erro fatal desprezar essa interdependência e as necessidades de todos os envolvidos.
Uma boa governança deve abranger pelo menos:
Acordo Societário
Código de Conduta de Sócios e Herdeiros
Política de Remuneração de Sócios e Familiares que trabalham na Empresa
Critérios de Entrada de Novas Gerações
Implementar um Conselho de Administração ou Consultivo.
Como dar o primeiro passo para uma boa Governança?
O fundador ou sócios darem valor ao processo e tomarem a decisão de fazê-lo, colocando o assunto no topo da pauta da empresa, da sociedade e da família.
Marx Gabriel
É o CEO da MB Consultoria, Conselheiro de Administração de Empresas CCA+ pelo IBGC e autor do livro “Direto ao Ponto”, publicado pela Editora Alta Books.
Comments