A possibilidade de autossuficiência alimentar na China e na Índia, impulsionada por avanços em pesquisa e tecnologia agrícola, não é mais uma meta distante, mas uma preocupação real para grandes exportadores de alimentos como o Brasil.
Atualmente, o Brasil é um dos maiores fornecedores de commodities agrícolas do mundo, atendendo à alta demanda de mercados asiáticos. Entretanto, se a China e a Índia se tornarem autossuficientes em alimentos, isso terá um impacto profundo na economia agrícola brasileira, exigindo adaptações estratégicas.
1. O Cenário Atual: Interdependência Brasil-China-Índia
Hoje, a China domina diversas produções globais, com participações significativas em produtos industriais e tecnológicos, como computadores (90,6%), ar-condicionados (80%) e celulares (70,6%), conforme os dados do primeiro gráfico. A forte capacidade produtiva chinesa reforça sua importância na economia global, especialmente em setores de alta tecnologia.
Apesar dessa força industrial, a China ainda depende da importação de alimentos, e o Brasil é um de seus principais fornecedores. Por exemplo, em 2023, a soja foi o produto agrícola mais lucrativo do Brasil, gerando R$ 348,7 bilhões, seguida por açúcar (R$ 102 bilhões) e milho (R$ 101,8 bilhões), como mostra o segundo gráfico. Grande parte dessa soja é exportada para a China, que precisa dessas commodities para sustentar sua população e sua produção de proteína animal.
Além disso, a China e a Índia representam juntas aproximadamente 35,6% da população mundial, com 17,8% cada, conforme visto no terceiro gráfico. Esse tamanho populacional, combinado com uma economia em crescimento, pressiona a demanda global por alimentos. Para atender a essa demanda, o Brasil expandiu suas exportações agrícolas, consolidando-se como um dos maiores players agrícolas globais. No quarto gráfico, vemos o Brasil na quarta posição entre os maiores produtores agrícolas do mundo, com uma produção de US$ 573 bilhões, ficando atrás apenas da China (US$ 1,14 trilhão), Índia (US$ 906 bilhões) e EUA (US$ 829 bilhões).
2. Consequências da Autossuficiência Chinesa e Indiana
Se a China e a Índia se tornarem autossuficientes em alimentos, o Brasil enfrentará uma série de desafios econômicos e comerciais significativos. As principais consequências incluem:
a) Redução das Exportações e Perda de Mercados Chave
A China e a Índia são hoje grandes compradores de soja, milho e carne bovina brasileira, produtos que têm um peso enorme na balança comercial brasileira. Se esses mercados deixarem de importar, o Brasil enfrentará uma queda drástica na demanda. Com um mercado externo reduzido, a oferta excedente de commodities no mercado mundial poderá levar à queda dos preços, afetando a lucratividade dos produtores brasileiros.
Atualmente, o Brasil destina uma grande parte de sua produção para exportação. Somente com soja, o país gerou R$ 348,7 bilhões em 2023, e parte significativa desse valor vem da China. A perda desse mercado reduziria a receita de exportação, afetando diretamente a economia nacional.
b) Pressão para Diversificação de Mercados
A perda dos principais destinos de exportação forçaria o Brasil a buscar alternativas, diversificando sua base de compradores em regiões como África, Oriente Médio e América Latina. O desafio aqui seria estruturar novas rotas comerciais, investir em logística e negociar acordos comerciais favoráveis para ganhar competitividade.
A busca por novos mercados também poderia incentivar o Brasil a explorar nichos com alto valor agregado. Produtos diferenciados, como alimentos orgânicos e produtos processados, poderiam compensar parte das perdas no mercado asiático. Essa estratégia, contudo, exigiria tempo e investimentos significativos, pois a diversificação de mercados envolve uma reestruturação completa do setor exportador.
c) Impacto na Moeda e na Economia Nacional
A redução nas exportações agrícolas impactaria negativamente a entrada de dólares na economia brasileira, o que poderia levar a uma desvalorização do real. Um real mais fraco encareceria as importações de insumos e tecnologias, aumentando os custos de produção para o setor agrícola. Essa situação poderia gerar um círculo vicioso, onde o aumento dos custos reduz a competitividade e, consequentemente, a lucratividade do setor agrícola brasileiro.
O impacto também na balança comercial será muito elevado, sendo que hoje representam quase a metade de todas as exportações do Brasil (48,5 % de jun/23-mai/24).
d) Excesso de Produção
A queda na demanda externa causaria um excedente de produção, pressionando o mercado doméstico e reduzindo os preços das commodities. Essa baixa nos preços seria inicialmente benéfica para o consumidor brasileiro, mas poderia comprometer a viabilidade econômica de grandes produtores, especialmente aqueles que dependem fortemente das exportações.
3. Possíveis Ações Estratégicas para o Brasil
Para enfrentar os desafios potenciais, o Brasil pode adotar uma série de medidas estratégicas para reduzir sua dependência de poucos mercados e fortalecer sua posição no mercado global.
a) Diversificação de Produtos e Mercados
O Brasil precisa investir na diversificação de suas exportações agrícolas, explorando novos mercados e ampliando o portfólio de produtos exportados. Isso pode incluir a exportação de nichos, como alimentos orgânicos e processados, que têm maior valor agregado.
b) Agregação de Valor aos Produtos
Uma maneira de reduzir a dependência das commodities é aumentar o valor agregado dos produtos exportados. Isso poderia incluir o processamento de alimentos, como a produção de óleo de soja e carne processada. Essa estratégia permite que o Brasil exporte produtos com maior margem de lucro, ajudando a compensar a perda de mercados tradicionais.
c) Expansão no Mercado de Tecnologia Agrícola (AgTech)
O Brasil tem grande potencial para expandir no setor de tecnologia agrícola (AgTech). Com a experiência adquirida no setor, o país pode exportar conhecimento técnico e soluções tecnológicas para outros países, consolidando-se como um hub de inovação em agricultura e pecuária.
4. Conclusão:
A autossuficiência alimentar da China e da Índia represente um desafio muito sério para o Brasil, e a meu ver, isso está sendo pouco considerado por governo e empresários do país, pois, conforme descrevemos, os impactos negativos trazem um grande risco para todo o agronegócio e economia brasileira.
Não podemos parar o avanço dos chineses e indianos na produção de alimentos. Então temos que nos debruçar no dever de casa em o que fazer para manter a competitividade e mercado do nosso agronegócio, diversificar a matriz de exportação e agregar valor aos produtos exportados.
A China, nosso maior mercado, já produz o dobro do que produz o Brasil em grãos. Isso por si já seria razão para mobilizar os agentes produtivos do país para uma reação em rapidez.
O sinal está amarelo. Pode ficar vermelho mais rápido que imaginamos.
Marx Alexandre C. Gabriel
Consultor de Empresas, Diretor da MB Consultoria, Pecuarista, Mestre em Administração de Empresas, Pós-Graduado em Agronegócio, autor do livro “Direto ao Ponto”.
Que texto bem fundamentado e relevante! A análise sobre os riscos da autossuficiência alimentar da China e Índia para o agronegócio brasileiro é extremamente oportuna. A proposta de diversificar mercados e agregar valor aos produtos é crucial para mantermos a competitividade. E que nosso agro acelere a adoção de tecnologias para ganhar espaço em novos mercados. Mais uma vez, parabéns pela clareza e profundidade!
Direto e incisivo. Parabéns, leitura fácil e envolvente…