E se?
- Dr. Oscar Pavão
- há 1 dia
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Motivado por um pouco de ousadia, um tanto (grande) de arrogância e impertinência, resolvi “emprestar” uma ideia do Luís Fernando Veríssimo. Ele escreveu sobre um rapaz que imaginou o que seria da vida dele se não tivesse se casado com a esposa atual. Além disso, sobre como seria esse futuro a cada decisão subsequente. Para cada etapa ou decisão adicional se descobria o que teria acontecido com o novo “ele”. Havia uma dezena de “eles”.
Para completar a plena blasfêmia desse meu texto, vou aplicar conceitos abordados em livros baratos de auto-ajuda. Me desculpem.
Não acredito que a nossa história aconteça sem que haja algum tipo de ajuda, orientação ou advertências. Que na vida “era para ser assim”. Talvez eu seja um caso clínico típico de descrente total do acaso.
Jovem, fui cursar o que se chamava na época de colegial (ensino médio) profissionalizante. Queria ser químico e trabalhar com plástico. Meu curso não tinha alunos suficientes, por isso o Prof. Marciano me chamou e disse:
“Menino, faça o curso de Laboratórios Médicos, tem muita química e você pode até mudar de ideia”.
Ele tinha razão. Mudei! Prestei vestibular para Medicina.
Mas e se não fosse o Prof Marciano??
Encontrei hoje com o meu primeiro “eu”, o “eu engenheiro químico”. Avental azul, puído, muito mais calvo (se é possível), um olhar conformado, olheiras evidentes. Não parecia infeliz, e sim conformado. Ele repetia: Plástico???
Passei no vestibular na Escola Paulista de Medicina! Paixão extrema. Começo o quinto ano e conheço o Prof. Aron Gelman. Ele me conta de um rapaz novo chegando dos EUA (Nestor Schor).
“Um trator!”
Me leva até ele e sugere que eu faça iniciação científica. Mudei de vida de novo. Nestor era espetacular. Eu que queria fazer endócrino fui parar na Nefro.
Encontrei meu segundo “eu”, “eu endocrinologista de profissão”. Sujeito rejuvenescido, cabeludo (fez implante), sapato sem meia e avental de linho. Parecia bem, mas de repente colocou o estetoscópio no pescoço e fez uma self!
Argh!!! Socorro!
Sigo então na Nefrologia, quero fazer apenas ciência. Vou ser pesquisador famoso. Vou tomar um café no Xaxim e encontro o Constantino. Ele quer me levar para a UTI do Einstein. Reluto um pouco, (o Consta usou fortes argumentos $$) mas vou com ele. Agora sou um intensivista.
Encontro com meu terceiro “eu”, o “eu cientista exclusivo”. Avental sujo de corante, jeans, tênis sem cadarço, bilhete da Mega-Sena no bolso, descabelado (embora calvo) e óculos tortos. Um otimista resignado. Está pressionado para publicar de novo. Mais um relatório FAPESP atrasado. Mesmo assim, parece bem.
Com o dinheiro dos plantões e uma bolsa, vou realizar um sonho: fazer o pós doutorado fora. Após alguns anos meu chefe de Boston quer que eu fique por lá (somos baratos para eles). Drs Horácio Ajzen e Oswaldo Ramos falam para eu voltar, e já! Retorno e sou professor da EPM.
Encontro com meu quarto “eu”, o “eu americano cientista do meio-oeste”. Foi ser pesquisador em Idaho, convive com Republicanos, aprendeu muito sobre batata e milho. Vive saudoso de um pastel e de um polvilho antisséptico Granado. Os filhos são Democratas, graças a Deus.
Volto ao Brasil e a trabalhar no Einstein após muito esforço da Anna Andrei. A vida está estável, um pouco cansativa, mas estável. Tempos depois, a Pilar me leva para a gestão e com isso consigo não mais ter que fazer plantões noturnos. Viva!!
Encontro agora meu quinto “eu”, o “eu plantonista puro”. Nossa! Cansado, envelhecido e algo amargo. Não gostei dele. É uma vida difícil.
Na gestão conheci muita gente interessante (outras nem tanto), cultas em suas áreas, obstinadas. Vários muito divertidos. Amigos até hoje. Aprendi muito.
Em casa a pressão da família era para eu só fazer medicina, consultas. Diziam que eu não estava bem sem a medicina de tempo integral. É como estou hoje, profissão: médico. Só!
Encontro com o meu sexto “eu”, o “eu só sou gestor”. Trabalhando em operadora de saúde, sapato de bico fino, só veste camisa azul, vocabulário com 2 ou 3 termos em inglês a cada sentença. Quer comprar um Volvo elétrico. Mais um que me pareceu resignado, bem de vida, mas resignado.
2025 foi um ano bem, bem difícil. Contei com a ajuda de muita gente. Olho para a sala onde coloquei todos os meus seis “eu” que conheci hoje. Puxa, eu sou feliz.
Percebo que tenho muita sorte de ter tido Marcianos, Arons, Nestores, Constantinos, Annas, Horácios, Oswaldos, Pilares, familiares e tantos outros companheiros ao longo da vida. Sou grato demais. Grato a vocês.
Quero muito que 2026 possa ser um ano que sejamos capazes de muita gratidão, amizade e reconhecimento aos que estão conosco. A volta da boa fé. Ela existe, somos capazes.
Saúde! Dr. Oscar Pavão
Dr. Oscar Pavão é um dos maiores! Um médico que engrandece a medicina, com sua competência, inteligência, simplicidade e, sobretudo, humanidade.
É um amigo maravilhoso! Pura sensibilidade e sabedoria. Um mestre.
Pai de dois filhos e um avô daqueles que todo neto sonha.
Com essa verve inteligente e bem-humorada, me fez olhar para nossas vidas e nos perguntar: “E se?”
Mas meu amigo Pavão tem uma certeza absoluta: ele e Eliane são um encontro de almas que se procuravam e se acharam, nunca se perguntaram “e se”, pois nunca houve essa possibilidade. Eles vivem um lindo amor!
Obrigado, meu amigo, por me permitir publicar seu lindo texto!
Deus lhe abençoe!
Abraço
Marx Alexandre Corrêa Gabriel



Por conhecer “um pouco” e admirar muito o Dr. Pavão, tenho que deixar aqui os meus parabéns por mais um
Texto maravilhosamente natural de sua autoria.
Sensacional! Ótima reflexão. Grato por compartilhar meu amigo Marx.
Sensacional...